quinta-feira, 18 de junho de 2015

FILOSOFIA MEDIEVAL - O PAPEL DAS LETRAS NA FORMAÇÃO DO FILÓSOFOS EM JOÃO DE SALISBURY

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO - UFES
GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
MARIA ELIZABETH RIBEIRO
GISLAYNE DA PENHA CROCE FERREIRA
KERLY NUNES DE SOUZA

1 BIOGRAFIA E CONTEXTO HISTÓRICO

João de Salisbury (1115-1180) nasceu em Salisbury, condado de Wiltshire, na Inglaterra. Passou cerca de doze anos estudando nas melhores escolas e entrando em contato com os mestres mais famosos. Esteve em Paris e depois seguiu para Chartres, onde permaneceu por mais tempo e teve sua formação mais sólida. Lá se interessou pelos problemas especulativos, assimilou a cultura e  abraçou a literatura.
Foi convidado a participar ativamente do clérigo, atuando como secretário do arcebispo de Canterbury, Thomas Becket (1117-1170), ao qual dedicou as obras Metalogicon (A Metalógica) e Polycraticus (O Político) e, que, mais tarde foi assassinado por ordem do rei Henrique II. Depois desse acontecimento, Salisbury retornou à França onde exerceu, ao final de sua vida, o cargo de bispo de Chartres, entre 1176 e 1180.
Foi um homem que conhecia bastante a Antiguidade. Em sua obra Metalógica, defende o estudo da Lógica, da Gramática e da Retórica, ou seja, do Trivium em vista a um personagem fictício, o Cornifício,  que representa estudantes descontentes com a educação da época e solicitam a redução do número de disciplinas. Eles desejavam parecer sábios e não os serem, segundo a obra. A defesa salsburiana era por uma formação sólida, para que os estudantes conseguissem realmente se tornarem sábios e terem sucesso.[1]
A obra Policraticus foi escrita durante o reinado de Henrique II de Anjou, porém, antes das controvérsias sobre a violação das liberdades eclesiásticas praticadas pelo rei que resultaram na morte do arcebispo. Tal obra era um tratado de filosofia política e dialogava sobre a ética na vida política e diversas temáticas como o tiranicídio. Por isso, além de teólogo, Salisbury também foi considerado por alguns como um grande ideólogo e o primeiro medieval a considerar a imagem de um rei instruído, um rei intelectual, preocupado como poder e com o governo.
A obra já apresentava uma linguagem moral e intelectual e além de inaugurar a filosofia política medieval, Salisbury também defende a importância das letras na preservação do conhecimento.



2 O PAPEL DAS LETRAS NA FORMAÇÃO DO FILÓSOFO

2.1 O MÉTODO SALSBURIANO


João de Salisbury, foi um dos mais brilhantes pensadores do século XII, do Renascimento do século XII, em que se estudava muito acerca dos métodos de ensino. O que ele mais defendia, era o método tríade: natureza, memória e razão. Para ele, sem esses três conceitos, os homens não poderiam progredir intelectualmente.
De acordo com o pensador, a natureza nos torna mais perceptíveis e com isso, conserva de forma satisfatória a memória humana.  A razão, por sua vez, examina o que foi percebido pela natureza e decide o que será levado ao pensamento, tendo a função de filtrar o conhecimento.



Primeiro, a natureza excita nossa capacidade de perceber as coisas. Em seguida, custodia essas percepções ao tesouro da memória. Com estudo diligente, a razão então examina o que foi percebido e que  será ou deverá ser recomendado à custódia da memória. Depois do escrutínio da natureza, a razão pronuncia um julgamento verdadeiro e incorruptível acerca dessas coisas.[2]  


Com base nisso, a busca da sabedoria, portanto, estaria no interior de cada indivíduo, que buscaria desenvolvê-la através de leituras e práticas cotidianas.[3]
Sobre leitura, Salisbury, afirmava que a prática e a tentativa da mesma é o que produz a perfeição, pois, no ato de ler, supera-se obstáculos e lapida-se o saber, tornando-o completo e significante.
Utilizando-se corretamente a natureza, a memória, a razão e praticando a leitura, o estudante consegue produzir julgamentos e opiniões consistentes.  Caso rompesse com essa tríade e o ato de ler, contudo, interromperia o ciclo do conhecimento e passaria, apenas, a repetir sem pensar afirmações de intermediários.
Salisbury foi enfático ao registrar que sem a prática habitual dos exercícios gramaticais, das leituras, e dos debates, mesmo os detentores das mais elevadas virtudes intelectuais definhariam. Ainda, deu grande importância à memória, evidenciando a necessidade de tê-la e desenvolvê-la. Para além, tudo que se registra na memória há de se registrar através das letras. Assim como o teor dos conhecimentos eram guardados na memória eles também eram registrados nos livros para que jamais se perdessem.
João de Salisbury enxergava as vias rumo ao conhecimento como uma arte. Arte a ser lapidada a cada dia, com disciplina e método, a fim de alcançar a perfeição de um saber. Aos olhos de João, praticar era a maneira mais eficiente do estudante fixar os conteúdos e avançar nos estudos. [4]
Por ser boa, a natureza humana deveria ser continuamente nutrida para que se desenvolvesse adequadamente. Nutrida com exercícios intelectuais diários, tais como leituras e debates. E todos estes envoltos pelos princípios éticos cristãos, ou seja, ser bom antes de ser douto. [5]
A memória era concebida como uma prática que viabilizava a busca pela essência do conhecimento, um ato de sorver as informações e imprimi-las na alma. Atingida pela essência, o conhecimento se transformava em parte da existência humana.
Salisbury asseverou que o bom uso da palavra (eloquência) separava os sábios dos ignorantes, os humanos das bestas ou “animais brutos”. Estes, por não conhecerem as virtudes e os bens proporcionados pela eloquência, não se entendiam. Sem consenso, por não haver comunicação adequada, perdiam-se e destruíam os símbolos da civilidade humana.[6]


2.2 O USO DAS LETRAS

Para João de Salisbury a chave para a perpetuação da vida humana residia no bom uso da eloquência. Absorvida pelas pessoas, ela tornava a existência humana possível. Sem ela, o homem permanecia no “estado de natureza”, que para ele era a ignorância das palavras e das letras, e estas eram o sustentáculo de uma existência humana civilizada.
Com os antigos e os sábios de seu tempo, João aprendeu a valorizar a eloquência e absorveu a disciplina nos estudos. Ainda com os mesmos, as vantagens do ócio intelectual. Para ele, uma era parte da outra, e estas tornavam o homem cada vez mais conhecedor de si mesmo, ou seja, mais humano.
Através das letras, Salisbury afirmava que as coisas não pereciam com o tempo, elas eram dignas de lembrança e, assim, era permitido que o conhecimento fosse transmitido à posteridade. Como seria possível admirar o passado caso não houvesse os escritores, aqueles que registram a vida e seus acontecimentos? Segundo Salisbury, as letras tem luz que iluminam os feitos dos humanos. [7]
O ensino letrado sempre esteve ligado à Igreja. Antes da existência das universidades, eram os homens da Igreja os responsáveis pela instrução. A Catedral de Chartres foi um desses centros de estudos. Homens como Bernardo de Chartres, (c.1124), Teodorico de Chartres (c.1155) e Gilberto de La Porré (c.1075-1154) deram fama ao notório saber desenvolvido nesse ambiente. Atraíram estudantes de todo o ocidente medieval para participar desse contexto de ensino formal nos rudimentos das letras para os oblatos e aos conversi iletrados ou semiletrados, alguma instrução para que pudessem participar da vida ou, ao menos, da adoração comunitária.[8]


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em meio às críticas e aos seus diálogos, João de Salisbury criou, através de suas obras Metalogicon e Policraticus um debate sobre o saber clássico e sua importância como marca da humanidade. Importando-se com a literatura, as artes, a política e a própria humanidade, conduzindo-os ao empenho pessoal através de um método baseado no Trivium - Gramática, Retórica e Dialética e na sabedoria através da busca pela natureza, pela memória e pela razão.
Para tanto, a prática da leitura e da escrita levam o homem à eloquência, à disciplina, caminho para ser conhecedor de si e do meio.
Essa busca pela sapiência, como descrito por Salisbury, é a busca pela felicidade, e as letras são os feitos mais iluminados do homem, pois registram tudo o que é conhecido, possibilitando á posteridade também conhecer e aprimorar.


REFERÊNCIAS

COSTA,  Ricardo da. Extratos de fontes das “Filosofias Medievais” (sécs. II-XIII) Seleção e notas. UFES, 2007.
COSTA, Ricardo da; SANTOS, Bento Silva. História da Filosofia Medieval. SEAD/UFES. 2015. p.51-80.
DICIONÁRIO ABC. João de Salisbury. Disponível em: http://elmaxilab.com/definicao-abc/letra-j/joao-de-salisbury.php. Acesso em: 10 jun 2015.
LANZIERI JÚNIOR, Carlile. "No tesouro seguro de nossa memória". A memória na concepção de três personagens do século XIII. Notandum, São Paulo/Porto, ano XVIII, n. 37, jan./abr., 2015. p. 29-48. Disponível em: http://www.vivariumhist.com/. Acesso em 05 jun 2015.
________. Sob os olhos dos homens de pedra: a importância do método na educação medieval a partir dos escritos de João de Salisbury. Disponível em: http://www.vivariumhist.com/. Acesso em 05 jun 2015.
PAPA BENTO XVI. Audiência Geral: João de Salisbury. 2009. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2009/documents/hf_ben-xvi_aud_20091216.html. Acesso em 11 jun. 2015.



[1]João de Salisbury é o grande nome filosófico do Renascimento do século XII. Tornou seus escritos literários Metalogicon e Policraticus importantes obras filosóficas e políticas e tinham alto teor crítico.  COSTA, Ricardo da; SANTOS, Bento Silva. História da Filosofia Medieval. SEAD/UFES. 2015.p.51.
[2] JOÃO DE SALIBURY, Metalogicon, Livro I, cap. 11, p. 34. In: LANZIERI JÚNIOR, Carlile. Sob os olhos dos homens de pedra: a importância do método na educação medieval a partir dos escritos de João de Salisbury. Disponível em: http://www.vivariumhist.com/. Acesso em 05 jun 2015.    
[3] O período em questão era marcado pela oralidade. Poucos sabiam ler e escrever e entre aqueles que sabiam, o método era utilizado para suscitar aquilo que se acreditava ser mais importante. Além do que era aprendido em livros buscava-se a tessitura do aprendizado ético e cristão. Os feitos dos iletrados também eram registrados por serem considerados sábios pelas vivências.  LANZIERI JÚNIOR, Carlile. "No tesouro seguro de nossa memória". A memória na concepção de três personagens do século XIII. Notandum, São Paulo/Porto, ano XVIII, n. 37, jan./abr., 2015. p. 36. Disponível em: http://www.vivariumhist.com/. Acesso em 05 jun 2015.
[4] LANZIERI JÚNIOR, Carlile. Sob os olhos dos homens de pedra: a importância do método na educação medieval a partir dos escritos de João de Salisbury. Disponível em: http://www.vivariumhist.com/. Acesso em 05 jun 2015.
[5] LANZIERI JÚNIOR, Carlile. Sob os olhos dos homens de pedra: a importância do método na educação medieval a partir dos escritos de João de Salisbury. Disponível em: http://www.vivariumhist.com/. Acesso em 05 jun 2015.
[6] LANZIERI JÚNIOR, Carlile. Sob os olhos dos homens de pedra: a importância do método na educação medieval a partir dos escritos de João de Salisbury. Disponível em: http://www.vivariumhist.com/. Acesso em 05 jun 2015.
[7] COSTA,  Ricardo da. Extratos de fontes das “Filosofias Medievais” (sécs. II-XIII) Seleção e notas. UFES, 2007.
[8] LANZIERI JÚNIOR, Carlile.Sob os olhos dos homens de pedra: a importância do método na educação medieval a partir dos escritos de João de Salisbury. Disponível em: http://www.vivariumhist.com/. Acesso em 05 jun 2015

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