quinta-feira, 18 de junho de 2015

FILOSOFIA POLÍTICA - THOMAS HOBBES

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO - UFES
GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
MARIA ELIZABETH RIBEIRO
GISLAYNE DA PENHA CROCE FERREIRA
KERLY NUNES DE SOUZA

1 INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES


1.1 BIOGRAFIA E CONTEXTO HISTÓRICO

Thomas Hobbes (1588-1679), inglês de família pobre, conviveu com a nobreza, de quem recebeu apoio e condições para estudar. Desde a infância mostrou uma grande predileção pelos estudos clássicos, tanto que, com apenas 15 anos, traduziu do grego para o latim Medéia, de Eurípides.[1]
Na Itália teve a oportunidade de encontrar Galileu e na França entrou em contato com os círculos cartesianos. Viveu até os 92 anos.
Dedicou-se entre outros assuntos, ao problema do conhecimento, tema básico das reflexões do século XVII, representando a tendência empirista. A fama de Hobbes está ligada principalmente ao Leviatã, texto em que expressou com a máxima clareza as doutrinas do mecanicismo científico e do absolutismo político. Por ter aplicado pela primeira vez os princípios do mecanicismo às funções mentais, reduzindo o pensamento a operações aritméticas de adição e subtração, Hobbes é hoje considerado o antepassado longínquo da atual cibernética.[2]
Suas obras foram: Objeções às Meditações Metafísicas de Descartes (1641); Do Cidadão (De Cive; 1642); Leviatã (1651); Do Corpo (De Corpore; 1655); O Tratado do Homem (De Homine; 1658); Diálogo entre um Filósofo e um Estudante de Direito Consuetudinário Inglês (1666).


1.2 O PENSAMENTO HOBBESIANO

Diferente do pensamento Aristotélico de que o homem é animal político, para Hobbes “o homem não é um animal naturamente social”, pois cada homem não é de modo algum ligado aos outros homens por um consenso espontâneo, como o dos animais, que se baseia em um apetite comum.  Para ele existem entre os homens motivos de contendas, invejas, ódios e sedições que não existem entre os animais.
Fazendo um paralelo entre os animais e os humanos, Hobbes reflete sobre algumas diferenças fundamentais: o bem de cada animal que vive em sociedade não difere do bem comum; ao passo que no homem o bem privado difere do bem público; os animais não percebem defeitos em sua sociedade, ao passo que o homem os percebe, querendo introduzir contínuas novidades, que constituem causas de discórdia e guerras; os animais não têm a palavra, que nos homens é frequentemente usada para ofender e provocar revoltas; os animais não se censuram, ao passo que os homens sim; nos animais o consenso é natural, enquanto que nos homens não o é. [3]
A condição natural em que os homens se encontram é uma condição de guerra de todos contra todos. Cada qual tende a se apropriar de tudo aquilo de que necessita para a sua própria sobrevivência e conservação.
Para Hobbes é preciso que todos os homens transfiram a um único homem (ou a uma assembleia) o poder de os governar, e esse “pacto social” não é firmado pelos súditos com o soberano, mas sim pelos súditos entre si. O soberano fica fora do pacto, permanecendo como o único a manter todos os direitos originários. O poder do soberano (ou da assembleia) é indivisível e absoluto.[4]
O poder do Estado deve ser exercido pela força, pois o ser humano necessita de ser controlado com força. Os pactos sem espada são meras palavras. Na visão de Hobbes, esse estado de repressão e censura é melhor do que a condição de indivíduos entregues a si mesmos.[5]          
Hobbes apresentou essas ideias primeiro em sua obra Do Cidadão e depois em Leviatã. Nesta última compara o Estado a uma criação monstruosa do ser humano, destinada a por fim à anarquia e ao caos das relações humanas.


2 ELEMENTOS CENTRAIS DA FILOSOFIA POLÍTICA DE THOMAS HOBBES


2.1 O ESTADO DE NATUREZA

O direito natural tem sua origem no jusnaturalismo, e consiste numa ideia racional de direitos inatos, universais e inalienáveis, que preexistem no homem através mesmo da existência das sociedades, ou seja, no estado de natureza, antes mesmo ao pacto social, que acontece quando as pessoas abrem mão desses direitos por meio de uma legislação que estabelece os limites necessários para que todos sejam beneficiados, harmonizando a vida coletiva.
O direito natural nasce a partir do momento em que surge o homem.  Essa ideia de direito natural, desde o pensamento antigo (exceto em relação aos sofistas), esteve sempre associada à realização da justiça, definida com base nas leis eternas, imutáveis, provenientes da observação do cosmos ou da revelação divina. Portanto, até o Iluminismo, o direito natural não era conhecido como uma criação humana; sendo apenas uma constatação pelo homem de leis que sempre estiveram na natureza, anteriores à sua própria condição de ser e existir, prontas a serem reconhecidas e aplicadas. [6]
Na concepção moderna de direito natural, a justiça permanece como fundamento e critério de validade do sistema jurídico, mas todo processo deve passar pelo critério da razão e validação do que é justo.[7]
Todavia, Hobbes considerava que esse direito natural só levaria à guerra de todos contra todos e à sua destruição, sendo necessária a criação de um direito positivo ou um contrato social que poderia ser garantido por meio de um poder centralizado que estabeleceria regras de convívio e pacificação. No estado de natureza, cada qual tende a se apropriar de tudo o que necessita, não havendo limites impostos pela natureza, nascendo a predominância de uns sobre os outros. Nesse contexto, Hobbes utiliza a expressão de Plauto homo homini lupus "o homem é lobo do homem". Ele arrisca seu bem primário, a vida, tornando-se só, com o medo.[8]


2.2 O FIM DO CONFLITO: OS DITAMES DA RETA RAZÃO


A razão humana surge como saída do estado de natureza. A faculdade de utilizar o raciocínio, entendido como um cálculo que permite a partir de premissas se chegar a conclusões, dá ao homem, segundo Hobbes, a possibilidade de determinar quais os meios necessários para se chegar a determinado fim, agindo assim segundo seus próprios interesses.
A reta razão, para Hobbes, faz parte da natureza humana, e é aquilo que o torna capaz de conhecer as causas e agir seguindo regras que indiquem os caminhos mais acertados para atingir os fins almejados.
A “lei da natureza” é o ditame da reta razão que corresponde aquilo que o homem deve fazer ou omitir, com o intuito de assegurar-lhe a conservação da vida e do corpo. Essa regra se divide em duas leis: a primeira e fundamental tem como princípio a busca pela paz e sua obtenção e a segunda é defender-se com todos os meios possíveis.[9]
Essas regras são regras de prudência e, portanto, a obrigação a essas regras está subordinada ao fim que se deseja alcançar. Contudo, esse fim deve ser observado por todos, caso contrário não será alcançado. O único caminho capaz de tornar eficazes as leis naturais e fazer a atuação humana racional, é a instituição de um poder irresistível que torne desvantajosa toda ação contrária, ou seja, o poder do Estado. [10]
A lei natural prescreve que não se deve cometer roubo, homicídio, adultério e injúria, mas é a lei civil que decide o que deve ser entendido como roubo, homicídio, etc.
Para que os homens alcancem a paz, também é necessário que eles concordem em instituir um estado que torne possível uma vida segundo a razão, em um ato de vontade. Assim, o Estado fica entendido como resultado da vontade humana. Mas, para que isso ocorra deve ser instituído na sociedade um pacto de união, um contrato de submissão, um compromisso unilateral onde só nasçam às obrigações dos súditos para com o soberano e deste para com os súditos.[11]


Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum.[12]


Os súditos devem transferir o direito de se governar a si mesmo, para o soberano ou uma assembleia, autorizando todas as suas ações. Um pacto entre indivíduos e não entre o povo e o soberano, o poder instituído ao soberano é irrevogável e indivisível (o deus mortal).
O Estado para Hobbes representa uma multidão de homens unidos em uma pessoa por um objetivo comum em defesa da paz; sua vontade, selada por um pacto, representa a vontade de todos e pode servir-se das forças e bens dos indivíduos, a fim de obter a paz e a defesa do bem comum.


  
2.3 A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E IGREJA

Para que os homens se tornem seguros e sobrevivam, cada indivíduo, deve se  associar ao pacto social, abdicar do direito natural que é transformado em direito civil ou positivo, um direito artificial, que vai tentar suprir a fragilidade do direito natural e do uso da força garantindo a vida, a liberdade e a propriedade privada dos governados. Com base nesse contrato, o uso da força passa a ser direito exclusivo do estado, justificado e restrito à defesa da liberdade comum, quando se fizer necessário.[13]
Ainda, Hobbes traz em sua obra O Leviatã, regras que permitem concretizar o instinto de autoconservação, que veta ao homem fazer-lhe o que é ruim, denominadas lex naturalis ou "leis da natureza". Ele alerta que, sozinhas, não são suficientes, para constituir uma sociedade, sendo necessário um poder que obrigue os homens a cumpri-las, ou seja, é necessário delegar a um homem ou a uma assembleia o poder de representar o povo.
Esse pacto, firmado pelos súditos entre si e garantido pelo soberano deram origem ao Estado. Para ele, pelo soberano não participar do pacto, o Estado era absoluto e independente de qualquer universo religioso.[14]
Nessa concepção, a figura estatal era vista como soberana e absoluta, onde atuava como modelo final e era capaz de decidir os conflitos entre os cidadãos e garantindo também certos direitos, como exemplo, a estabilidade. Os direitos dos cidadãos tornavam-se irrevogáveis, ele estava acima da justiça e a própria Igreja deve-se sujeitar à ele diferentemente do que acontecia anteriormente. O Estado pode interferir na religião, interpretando-a, mas não o contrário.
Vale ressaltar que a narração hobbesiana difere um pouco daquelas efetivadas posteriormente, pois desde os tempos imemoriais, o homem intuitivamente acreditava na existência de uma ordem jurídica superior àquela por si criada. Esse conceito diz respeito ao direito natural, que consiste em uma agregação de normas jurídicas criadas pela natureza ou pelos deuses e que, de alguma forma, são capazes de expressar um ideal absoluto de justiça. Dessa forma, segundo os jusnaturalistas, as normas independem do Estado, pois a este cabe apenas cumpri-las e preservá-las, jamais criá-las. Essas ideias, entretanto, vêm na contramão do ideal defendido por Hobbes, pois, para ele, a razão humana é capaz de constituir por si só a mecânica estrutural da comunidade, sem que seja necessário qualquer apelo à divindade.[15] 
Com isso, percebe-se que a justificativa de Hobbes para o poder absoluto é estritamente racional, completamente livre de qualquer tipo de religiosidade e sentimentalismo, negando implicitamente a origem divina do poder, afirmando que a Igreja deve ser uma instituição nacional e, por conseguinte, sujeita às autoridades civis.
Sabe-se, contudo, que Hobbes não teve êxito em sua defesa, que era a separação total entre Estado e religião. Desse modo, o que o filósofo propôs, ou seja, a independência da esfera politico-jurídica diante da autoridade religiosa, não ocorreu naquela época, uma vez que o laicismo só surgiu depois.
Portanto, o direito natural e seu oposto foram discutidos de forma consistente por Thomas Hobbes e sua contribuição filosófica para a sociedade da época foi considerável e importantíssima para a construção de uma mentalidade mais aberta no que tange ao pensamento livre.


3 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Thomas Hobbes inicia uma discussão sobre o estado de natureza em que o homem vive pelo instinto de sobrevivência em que instaura-se um guerra contra todos. O medo leva o homem a viver no estado civil, que, associado à razão, leva o homem a almeja a paz. Associados por um acordo, renunciam aos seus direitos naturais e submetem-se ao poder soberano, o qual é obrigado a assegurar o respeito ao contrato social, a garantia da paz e da segurança individual.
Para um desempenho efetivo, esse soberano deve ser absoluto e inquestionável, sem subordinação, principalmente religiosa, que garantirá a convivência pacífica dos homens. Nesse sentido, percebe-se que Hobbes tem uma pensamento absolutista e laico que introduz a era moderna, numa busca pela legitimação do poder, num momento revolucionário em que a burguesia se tornava cada vez mais poderosa.
Para Hobbes, o que funda o poder político e as relações sociais não é o respeito ao próximo (Moral), o temor a Deus (Religião), os interesses nacionais (Razões de Estado) ou a honra (Códigos da nobreza), mas sim, o interesse próprio, o bem estar e a segurança de cada indivíduo na esfera da vida privada (Utilidade).[16]


REFERÊNCIAS

AMORIM, Maria de Fátima. Filosofia. Volume 3: Ensino Médio.Belo Horizonte:Editora Educacional. 2014.
BENJAMIM, Cássio Corrêa. O jusnaturalismo moderno. Fragmento. Disponível em http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/viewFile/571/516. Acesso em 15 jun 2015.
FILOSOFIA POLÍTICA. O pensamento político de Thomas Hobbes. Tema 03. Material complementar.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Trad. de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Disponível em: http://www.ead.ufes.br/pluginfile.php/23045/mod_resource/ content/1/O%20Leviat%C3%A3%20de%20Thomas%20Hobbes.pdf. Acesso em 09 jun 2015.
YAMAUTI, Nilson Nobuaki. A teoria política hobbesiana. 2001. Disponível em: http://www.urutagua.uem.br//ru02_politica.htm. Acesso em: 16 jun 2015.
MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. O pensamento jurídico de Thomas Hobbes. 2009. Disponível em: http://www.iptan.edu.br/publicacoes/ saberes_interdisciplinares/pdf/ revista03/O%20PENSAMENTO%20JURIDICO.pdf. Acesso em 04 jun 2015.
MEIER, Celito. Filosofia: por uma inteligência da complexidade. Belo Horizonte: Pax, 2014. p.271-281.
NICOLA, Ubaldo. Antologia ilustrada de filosofia: das origens à idade moderna. Tradução: Maria Margherita De Luca. São Paulo: Globo, 2005. p. 235-240.
REALE, Giovanni. ANTISERI. Dario.História da Filosofia: Do humanismo a Kant. São Paulo: Paullus. Vol. II. 1990.





[1] NICOLA, Ubaldo. Antologia ilustrada de filosofia: das origens à idade moderna. Tradução: Maria Margherita De Luca. São Paulo: Globo, 2005. p. 235.
[2] NICOLA, Ubaldo. Antologia ilustrada de filosofia: das origens à idade moderna. Tradução: Maria Margherita De Luca. São Paulo: Globo, 2005. p. 236.
[3] MEIER, Celito. Filosofia: por uma inteligência da complexidade. Belo Horizonte: Pax, 2014. p.272 e 273.
[4] MEIER, Celito. Filosofia: por uma inteligência da complexidade. Belo Horizonte: Pax, 2014. p.278.
[5] MEIER, Celito. Filosofia: por uma inteligência da complexidade. Belo Horizonte: Pax, 2014. p.278.
[6] AMORIM, Maria de Fátima. Filosofia. Volume 3: Ensino Médio.Belo Horizonte:Editora Educacional. 2014. p.30.
[7] Naturalmente os homens são desiguais: alguns são mais fortes e outros mais fracos, alguns mais inteligentes, outros menos, alguns são mais aptos a comandar, outros não possuem tal capacidade. Contudo, tais diferenças não dão a um homem o direito de impor a sua vontade a outros ou de os submeter à sua autoridade. Isto porque todos são, por natureza, capazes de conduzir a si mesmos. A ideia de igualdade significa que não existe uma diferença entre os homens, dada pela natureza, da qual decorram os direitos. Uma desigualdade de aptidões não implica uma desigualdade de direitos. BENJAMIM, Cássio Corrêa. O jusnaturalismo moderno. Fragmento. Disponível em http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/ article/viewFile/571/516. Acesso em 15 jun 2015.
[8] "O homem é lobo do homem", que no entanto, não tem o significado de sinistro e radical pessimismo moral pois pretende ser uma constatação estrutural indicando uma situação à qual se deve dar remédio. "Certamente afirma-se com razão tanto que o homem é um deus para o home como que o homem é o lobo do homem, o primeiro em relação aos conciliados e à justiça e o segundo em relação aos Estados e à insolência dos bons e dos maus. REALE, Giovanni. ANTISERI. Dario. História da Filosofia: Do humanismo a Kant. São Paulo: Paullus. Vol. II. 1990.
[9] FILOSOFIA POLÍTICA. O pensamento político de Thomas Hobbes. Tema 03. Material complementar.
[10] FILOSOFIA POLÍTICA. O pensamento político de Thomas Hobbes. Tema 03. Material complementar.
[11] FILOSOFIA POLÍTICA. O pensamento político de Thomas Hobbes. Tema 03. Material complementar.
[12] HOBBES, Thomas. Leviatã. Trad. de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Cap. XVII, p. 61. Disponível em: http://www.ead.ufes.br/pluginfile.php/23045/mod_resource/content/1/O%20Leviat%C3% A3%20de%20Thomas%20Hobbes.pdf. Acesso em 09 jun 2015.
[13] AMORIM, Maria de Fátima. Filosofia. Volume 3: Ensino Médio.Belo Horizonte:Editora Educacional. 2014.p.37.
[14] REALE, Giovanni. ANTISERI. Dario. História da Filosofia: Do humanismo a Kant. São Paulo: Paullus. Vol. II. 1990.p.499.
[15] MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. O pensamento jurídico de Thomas Hobbes. 2009. Disponível em: http://www.iptan.edu.br/publicacoes/saberes_interdisciplinares/pdf/revista03/O%20PENSAMENTO% 20JURIDICO.pdf. Acesso em 04 jun 2015.
[16] YAMAUTI, Nilson Nobuaki. A teoria política hobbesiana. 2001. Disponível em: http://www.urutagua.uem.br//ru02_politica.htm. Acesso em: 16 jun 2015.

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