A VIRTUDE DA RAZÃO PRÁTICA
Nessa
semana foi abordada a relação entre a virtude ética e a virtude dianoética, a
primeira correspondente a parte irracional da alma responsável pelo desejo, e
que necessita da intervenção constante da razão, e a segunda relativa a
excelência da função exercida pela parte racional da alma que visa a utilidade
prática da ação.
A
atividade proposta nessa semana foi o fichamento do livro VI da Ética a
Nicômaco. Nesse livro Aristóteles trata da essência da virtude moral como a
justa medida ou justo meio, que consiste na harmonia ou equilíbrio entre dois
extremos: a falta e o excesso. Ele destaca que para se alcançar tal equilíbrio
devemos cultivar bons hábitos, os quais, por meio da razão, nos conduzirão a
justa medida no que concerne aos anseios despertados pelas emoções.
ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, tradução e notas: Luciano Ferreira de Souza. São Paulo: Martin Claret, 2015.
1- [...]
existe um determinado fim para o qual, [...], visa o homem que possui a razão
correta, [...] e existe um princípio que determina os meios-termos, que dizemos
ser um estado intermediário entre o excesso e a falta, pelo fato de estar em
conformidade com a razão correta. [...] em tudo o que é objeto da ciência,
[...] não devemos empregar ou diminuir o nosso esforço, [...] mas de modo
mediano, e isso como pede a razão correta; [...]. (pág.153)
2- Anteriormente
dissemos que havia duas partes da alma, a saber, a parte racional e a parte
irracional. [...] as partes racionais são duas, uma pela qual contemplamos
esses tipos de seres cujos princípios podem ser diferentes do que eles
realmente são, e outra pela qual nós conhecemos as coisas contingentes; quando,
de fato, os objetos diferem em gênero, as partes da alma adaptadas naturalmente
ao conhecimento uns dos outros devem também diferir em gênero, se é verdade que
é por certa semelhança e afinidade entre o sujeito e o objeto que se encontra o
conhecimento. Chamemos uma delas de parte científica, e a outra de calculativa,
pois deliberar e calcular são o mesmo, [...] a parte calculativa é somente uma
parte racional da alma. [...] a virtude de uma coisa é relativa ao seu próprio
funcionamento.
Ora, existem na alma três fatores predominantes que
determinam a ação e a verdade: sensação, intelecto e desejo. Desses fatores, a
sensação não é o princípio de nenhuma ação [...].
A afirmação e a negação estão no pensamento e
correspondem à busca e à aversão no domínio do desejo; [...] portanto, que a
razão seja verdadeira e o desejo correto, se a escolha é realmente boa, e que
exista identidade entre o que a regra afirma e o que o desejo busca. (pág. 154)
3- [...]
o pensamento contemplativo, que não é nem prático nem produtivo, seu estado bom
e mau consiste no verdadeiro e no falso [...] enquanto a parte do intelecto
prático, seu bom estado consiste na verdade que corresponde ao desejo, ao
desejo correto.
O princípio da ação é assim uma escolha [...] o
princípio da escolha é o desejo e a razão dirigida para algum fim. [...] a
escolha não pode existir nem sem o intelecto e pensamento, nem sem uma
disposição moral, pois as boas e más ações não existem sem pensamento e sem
caráter. (pág. 155)
4- [...]
as duas partes intelectuais da alma tem por função a verdade.
[...] O objeto do conhecimento científico existe
então necessariamente, e ele é eterno, pois coisas que existem por uma necessidade
absoluta são todas eternas.
Além disso, considera-se que toda ciência é
suscetível de ser ensinada, e que seu objeto pode ser aprendido. Mas todo
ensinamento dado vem de conhecimentos preexistentes, [...]. (pág. 156)
5- [...]
um homem tem conhecimento científico quando tem sua convicção estabelecida de
certa maneira, e que os princípios lhe são familiares [...].
[...] Produção e ação são distintas [...], de modo
que a disposição para agir, acompanhada de razão, é diferente da disposição
para produzir acompanhada de razão. [...] nem a ação é uma produção, nem a
produção uma ação.
Toda arte diz respeito sempre a uma geração, a um
aplicar-se em inventar e considerar, de modo a dar existência a alguma coisa
que é suscetível de existir ou não, mas cujo princípio de existência reside em
quem produz, e não no que é produzido. (pág. 157)
6- [...]
é necessário que a arte surja da produção e não da razão; [...].
[...] Parece que é próprio de um homem dotado de
sabedoria prática ser capaz de deliberar corretamente sobre o que é bom e
vantajoso para si mesmo, não de uma parte, [...], mas de uma maneira geral,
quais tipos de coisas, por exemplo, conduzem para uma vida feliz.
[...] possui sabedoria prática aquele que é capaz
de deliberação. [...] (pág. 158)
7- [...]
dotados de sabedoria prática, [...] possuem a capacidade de ver as coisas boas
por si mesmas e o que é bom para os homens, e tais são também, pensamos, as
pessoas que se dispõem para a administração de uma casa ou de uma cidade. [...]
[...] os princípios de nossas ações consistem no
fim para o qual tendem nossos atos; mas ao homem corrompido pelo prazer ou pela
dor, o princípio não se mostra de modo imediato, e ele é incapaz de ver, por
isso, qual fim ele deve escolher e realizar aquilo que escolhe, pois o vício é
destrutivo do princípio. A sabedoria prática deve, [...] ser necessariamente
uma capacidade acompanhada de razão verdadeira, capaz de agir no que diz
respeito aos bens humanos. [...] existe uma virtude na arte, mas não na
sabedoria da prática; na arte, é preferível o homem que erra voluntariamente,
enquanto que na sabedoria prática, assim como em relação às outras virtudes, é
o inverso que ocorre.
[...] a sabedoria prática é uma virtude e não uma
arte. [...]. (pág. 159)
8- [...] a razão intuitiva que apreende os primeiros
princípios.
[...] não queremos dizer por sabedoria nada além do
que a excelência em uma arte. [...] (pág. 160)
9- [...]
a sabedoria, dentre as formas de saber, é a mais perfeita. [...] a sabedoria
será a combinação de razão intuitiva e conhecimento científico, ciência que
possui a parte mais nobre das coisas mais dignas de honra.
[...]
a sabedoria filosófica é ao mesmo tempo conhecimento científico e razão
intuitiva das coisas que são, por natureza, as mais elevadas. [...]. (pág. 161)
10-
[...] a sabedoria prática relaciona-se às coisas
humanas e às coisas que admitem deliberação, pois o homem dotado de sabedoria
prática, dizemos, tem por obra principal o bem deliberar; [...]. O bom
deliberante, no sentido absoluto, é o homem que se esforça, racionalmente, para
atingir o melhor dos bens realizáveis pelo homem.
A sabedoria prática não se ocupa somente das coisas
universais, mas ela deve ter também o conhecimento dos fatos particulares, pois
ela é de ordem prática, e a ação se relaciona com as coisas particulares. [...]
[...],
sabedoria prática é de ordem da ação, de modo que deveríamos possuir as duas
espécies de sabedoria e, de preferência, mais a segunda do que a primeira.
[...]. (pág. 162)
11-
[...] a sabedoria prática também se identifica especialmente
com aquelas formas no que diz respeito à própria pessoa, isto é, um indivíduo;
[...].
[...] aquele que conhece seus próprios interesses e
com eles se ocupa, é um homem dotado de sabedoria prática, [...]. (pág.163)
12-
[...] não parece existir um homem jovem dotado de
sabedoria prática. A causa disso é que tal sabedoria tem relação não só com os
universais, mas também com os particulares, que se tornam familiares somente
por experiência – experiência que o jovem não possui – pois é pela força do tempo
que se adquire experiência. [...]
Que a sabedoria prática não é conhecimento
científico, isso é uma coisa manifesta. Ela se ocupa, de fato, sobre o que há
de mais particular, como já foi dito, pois a ação a ser realizada é ela mesma
particular. Ela, portanto, se opõe à razão intuitiva, [...] enquanto que a
sabedoria prática se relaciona com o que existe de mais individual, o qual não
é objeto de conhecimento científico, mas da percepção, e não da percepção das
qualidades sensíveis, mas uma percepção daquela natureza pela qual nós
percebemos que tal figura particular é um triângulo, pois nessa direção e na
premissa maior existe um limite. [...] (pág. 164)
13-
[...] a boa deliberação é uma forma de
investigação, e aquele que delibera investiga e calcula. [...] a deliberação
exige muito tempo, [...].
[...] a boa deliberação é um tipo de correção,
[...].
[...] que ela seja correção do raciocínio, pois ele
não é ainda uma asserção, [...] e o homem que delibera, quer delibere bem, quer
delibere mal, busca alguma coisa e calcula. (pág. 165)
14-
[...] os homens dotados de sabedoria prática têm
por característica o fato de ter deliberado bem, a boa deliberação será a
correção no que diz respeito ao que é útil para a realização de um fim,
utilidade cuja verdadeira concepção é a sabedoria prática em si. (pág. 166)
15-
[...] A sabedoria prática é, de fato, diretiva
(pois ela tem por fim determinar o que é nosso dever fazer ou não fazer),
enquanto que a inteligência é somente judicativa. [...].
A inteligência não consiste nem em possuir a
sabedoria prática, nem em adquiri-la. [...]
O que é chamado, enfim, discernimento, [...] é a
discriminação correta do que é equitativo. [...] E o discernimento é o que
aprecia corretamente o que é equitativo; e o discernir corretamente é julgar
conforme a verdade. (pág. 167)
16-
[...] ser um homem inteligente ou de discernimento
bom e humano consiste em ser capaz de julgar as coisas que entram no domínio da
sabedoria prática, enquanto as equidades são comuns a todas as pessoas de bem
em suas relações com o outro.
[...] os casos particulares servem de ponto de
partida para atingir as coisas universais. Nós devemos, porém, ter uma
percepção dos casos particulares, e essa percepção é razão intuitiva. [...] Por
isso a razão intuitiva é ao mesmo tempo princípio e fim, coisas que são ao
mesmo tempo origem e objeto das demonstrações. [...] (pág. 168)
17-
[...] A sabedoria teórica, de fato, não estuda
nenhum dos meios que podem tornar um homem feliz, já que ela não diz respeito
ao devir. A sabedoria prática, por outro lado, preenche bem esse papel, [...].
(pág.169)
18-
[...] a sabedoria filosófica produz a felicidade,
pois sendo uma parte da virtude total, é pela simples possessão e pelo seu
exercício que ela torna o homem feliz.
[...] a própria alma do homem só é completa quando
está em conformidade com a sabedoria prática, assim como com a virtude moral; a
virtude moral, com efeito, assegura a exatidão do fim que perseguimos, e a
sabedoria prática, aquela dos meios para alcançar esse fim. [...]. (pág. 170)
19-
[...] para ser um homem bom, é necessário ter uma
certa disposição quando pratica cada uma dessas ações, isto é, eles devem ser
feitos por escolha deliberada, e em vista das próprias ações que são
realizadas.
[...] a impossibilidade de se possuir sabedoria
prática sem ser virtuoso.
[...] O caso da virtude é, de fato, análogo ao da
sabedoria prática em relação à habilidade. [...]. (pág. 171)
20-
[...] do mesmo modo que para a parte que opina se
distinguem dois tipos, a habilidade e a sabedoria prática, na parte moral
também haverá dois tipos, a virtude natural e a virtude propriamente dita, e
dessas duas virtudes a virtude propriamente dita não é produzida sem ser
acompanhada de sabedoria prática. [...]. (pág. 172)
21-
[...] não é possível ser um homem bom no sentido
estrito, sem a sabedoria prática, nem possuir tal virtude sem a virtude moral.
[...]. (pág. 173)
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