quarta-feira, 27 de setembro de 2017

PARTE III - CONEXÕES CONTEMPORÂNEAS ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO

2  Conexões contemporâneas entre ciência e religião

Atualmente temos vários temas que envolvem o debate entre ciência e religião, e iremos tratar de dois que tem sido destaque nas últimas décadas: o debate acerca da criação do universo e o debate da origem da humanidade.

2.1 A origem da Terra e o papel de Deus nessa história

Acreditamos que todos conhecem a doutrina bíblica da criação, descrita no Livro de Gênesis, que em síntese, diz que Deus criou o mundo em seis dias, e no sétimo descansou. Podemos encontrar 4 características básicas nessa doutrina da criação cristã:
a)Deus criou o mundo do nada;
b)Deus é distinto do mundo, mostrando uma assimetria radical entre criador e criatura;
c)Caráter bondoso da criação;
d)Deus fez provisões para o fim do mundo e irá criar um novo paraíso na Terra, erradicando o mal.
Podemos associar a doutrina da criação com o poder divino de Deus sobre a humanidade, e isso nos influencia até nossos dias não sendo apenas um fato que o ocorreu milhares de anos atrás.  Contudo, a questão é saber se essas doutrinas cristãs da criação e da ação divina são compatíveis com as últimas descobertas da ciência.
A invasão da ciência no território da religião acontece, principalmente, pelas descobertas científicas (vindas da geologia e da teoria da evolução) e pelas recentes leis científicas que parecem não deixar espaço para uma ação divina, afinal, não precisa mais de um ente metafísico para explicar o funcionamento do mundo que já funciona mecanicamente.
Após essa evolução científica, e com os textos bíblicos já difundidos por séculos, cabe a indagação: esses textos devem ser interpretados de um modo histórico, metafórico ou poético?
Vamos entender melhor os dois lados: No século XVII, o pastor anglicano James Ussher datou a criação da Terra no ano de 4004 a.C., porém, a ciência, através da geologia e suas descobertas, revela que a Terra teve origem significativamente muito antes do que 4004 a.C.
Não somente a geologia, mas outras descobertas científicas também impactaram a interpretação dos livros sagrados, tais como as teorias baseadas no conceito de evolução para explicar a origem das espécies. Nesse ponto, destaca-se Charles Darwin e sua teoria da evolução, apresentada em sua obra “A origem das espécies”. Cabe nesse ponto uma interessante curiosidade: Não obstante a viagem de Darwin iniciou em 1831, durando 4 anos, essa obra da origem das espécies só foi publicada em 1859, ou seja, vários anos depois. Alguns comentaristas afirmam que tal atraso se deu pelo medo da repercussão de sua obra no meio cristão, uma vez que suas observações iam de encontro aos ensinos bíblicos da criação.
Diante desse impasse de criacionistas e cristãos, recentemente nos foi apresentada a Teoria do Design Inteligente, numa tentativa de reconciliação. Essa teoria defende que a alta complexidade dos seres vivos só pode ser fruto de uma “mente inteligente e criadora” e não fruto do mero acaso. Essa mente criadora não costuma ser nomeada de Deus, mas isso por critérios políticos, para evitar uma nomenclatura religiosa e assim a teoria se revestir de uma aparente cientificidade.
Após essa breve explanação da teoria da evolução, sigamos com a compreensão das intervenções divinas. No século XVII, filósofos naturais desenvolveram uma visão mecânica do mundo, onde este era governado ordenadamente por processos e leis rígidas, e essa ideia de leis físicas imutáveis e estáveis, criou dificuldades para o conceito de ação divina. As novas descobertas da física no século XX, tais como teorias gerais da relatividade, teoria do caos e teoria quântica acabam por ultrapassar a ideia de um mundo como um sistema mecânico, além de abrir margem para possíveis reinterpretações da ação divina no mundo.
Na intenção de unir a ideia de Deus com o pensamento científico, a teoria do caos mostra uma abertura onde Deus pode operar sem violar as leis da natureza. Contudo, depara-se com uma nova indagação, pois uma coisa é afirmar que só podemos conhecer as coisas até certo ponto, mas outra muito distante é afirmar que para além das coisas que conhecemos existe algo, e esse algo é Deus, e Ele criou as coisas.

2.2 O futuro debate entre ciência e religião: ética evolutiva
  

Após a publicação da teoria da seleção natural de Darwin, houve uma preocupação sobre as consequências da teoria da evolução para a moralidade e a religião. Sendo assim, caso essas teorias estivessem certas, significaria por consequência que a Bíblia estaria errada, e assim toda a sua doutrina seria colocada em xeque. Nesse contexto, surge a indagação do porque agir eticamente, embora os evolucionistas argumentarem que a moralidade humana não é contrária à ideia de evolução, e pode ainda ser compreendida como uma continuação evolutiva do comportamento social de animais não humanos. Assim, nossa habilidade de realizar julgamentos morais é o resultado da própria seleção natural. Dessa forma, se o comportamento ético é um resultado da evolução, a ideia de Deus parece não ter muita serventia.
Essa última afirmação é polêmica. Refletindo sobre tema, caso concordemos que a habilidade de realizar julgamentos morais é resultado da seleção natural, isso significaria que as pessoas antiéticas seriam atrasadas evolutivamente! Além dessa conclusão estranha, essa afirmação ainda poderia nos fazer pensar que o sentido moral em termos evolutivos acaba por minar a autonomia e responsabilidade individual, ou seja, toda ação do sujeito nada mais seria que uma consequência natural.
Realizando um contraponto, filósofos como John Hare afirmam que a ética evolucionista não explica nosso sentimento de obrigação moral para além do nosso próprio interesse biológico, e sendo assim, as teorias religiosas tem uma explicação mais coerente do motivo de sentirmos necessidade de realizar certas obrigações morais. Em outras palavras, se a moral fosse fruto de evolução ela se restringiria a situações que propiciem a sobrevivência da espécie, e sendo assim, não faria sentido, por exemplo, nosso sentimento moral de não querer causar dor ao nosso próximo, mesmo que isso cause um desconforto em nós mesmos, uma vez que isso não faz o menor sentido numa linha evolutiva de sobrevivência.

Concluindo, observamos que a religião ainda é um forte fundamento moral para a maior parte dos debates contemporâneos sobre ética. Se por um lado a ciência se torna um referencial em vários domínios em nossos dias, no que diz respeito aos debates éticos a religião ainda se encontra como um adversário à altura.

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