2 Conexões contemporâneas entre ciência e
religião
Atualmente temos vários temas que envolvem o
debate entre ciência e religião, e iremos tratar de dois que tem sido destaque
nas últimas décadas: o debate acerca da criação do universo e o debate da
origem da humanidade.
2.1
A origem da Terra e o papel de Deus nessa história
Acreditamos que todos conhecem a doutrina
bíblica da criação, descrita no Livro de Gênesis, que em síntese, diz que Deus
criou o mundo em seis dias, e no sétimo descansou. Podemos encontrar 4
características básicas nessa doutrina da criação cristã:
a)Deus criou o mundo do nada;
b)Deus é distinto do mundo, mostrando uma
assimetria radical entre criador e criatura;
c)Caráter bondoso da criação;
d)Deus fez provisões para o fim do mundo e
irá criar um novo paraíso na Terra, erradicando o mal.
Podemos associar a doutrina da criação com o
poder divino de Deus sobre a humanidade, e isso nos influencia até nossos dias
não sendo apenas um fato que o ocorreu milhares de anos atrás. Contudo, a questão é saber se essas doutrinas
cristãs da criação e da ação divina são compatíveis com as últimas descobertas
da ciência.
A invasão da ciência no território da
religião acontece, principalmente, pelas descobertas científicas (vindas da
geologia e da teoria da evolução) e pelas recentes leis científicas que parecem
não deixar espaço para uma ação divina, afinal, não precisa mais de um ente
metafísico para explicar o funcionamento do mundo que já funciona
mecanicamente.
Após essa evolução científica, e com os
textos bíblicos já difundidos por séculos, cabe a indagação: esses textos devem
ser interpretados de um modo histórico, metafórico ou poético?
Vamos entender melhor os dois lados: No
século XVII, o pastor anglicano James Ussher datou a criação da Terra no ano de
4004 a.C., porém, a ciência, através da geologia e suas descobertas, revela que
a Terra teve origem significativamente muito antes do que 4004 a.C.
Não somente a geologia, mas outras
descobertas científicas também impactaram a interpretação dos livros sagrados,
tais como as teorias baseadas no conceito de evolução para explicar a origem
das espécies. Nesse ponto, destaca-se Charles Darwin e sua teoria da evolução,
apresentada em sua obra “A origem das espécies”. Cabe nesse ponto uma
interessante curiosidade: Não obstante a viagem de Darwin iniciou em 1831,
durando 4 anos, essa obra da origem das espécies só foi publicada em 1859, ou
seja, vários anos depois. Alguns comentaristas afirmam que tal atraso se deu
pelo medo da repercussão de sua obra no meio cristão, uma vez que suas
observações iam de encontro aos ensinos bíblicos da criação.
Diante desse impasse de criacionistas e
cristãos, recentemente nos foi apresentada a Teoria do Design Inteligente, numa
tentativa de reconciliação. Essa teoria defende que a alta complexidade dos
seres vivos só pode ser fruto de uma “mente inteligente e criadora” e não fruto
do mero acaso. Essa mente criadora não costuma ser nomeada de Deus, mas isso
por critérios políticos, para evitar uma nomenclatura religiosa e assim a
teoria se revestir de uma aparente cientificidade.
Após essa breve explanação da teoria da
evolução, sigamos com a compreensão das intervenções divinas. No século XVII,
filósofos naturais desenvolveram uma visão mecânica do mundo, onde este era
governado ordenadamente por processos e leis rígidas, e essa ideia de leis
físicas imutáveis e estáveis, criou dificuldades para o conceito de ação
divina. As novas descobertas da física no século XX, tais como teorias gerais
da relatividade, teoria do caos e teoria quântica acabam por ultrapassar a
ideia de um mundo como um sistema mecânico, além de abrir margem para possíveis
reinterpretações da ação divina no mundo.
Na intenção de unir a ideia de Deus com o
pensamento científico, a teoria do caos mostra uma abertura onde Deus pode
operar sem violar as leis da natureza. Contudo, depara-se com uma nova
indagação, pois uma coisa é afirmar que só podemos conhecer as coisas até certo
ponto, mas outra muito distante é afirmar que para além das coisas que
conhecemos existe algo, e esse algo é Deus, e Ele criou as coisas.
2.2
O futuro debate entre ciência e religião: ética evolutiva
Após a publicação da teoria da seleção
natural de Darwin, houve uma preocupação sobre as consequências da teoria da
evolução para a moralidade e a religião. Sendo assim, caso essas teorias
estivessem certas, significaria por consequência que a Bíblia estaria errada, e
assim toda a sua doutrina seria colocada em xeque. Nesse contexto, surge a
indagação do porque agir eticamente, embora os evolucionistas argumentarem que
a moralidade humana não é contrária à ideia de evolução, e pode ainda ser
compreendida como uma continuação evolutiva do comportamento social de animais
não humanos. Assim, nossa habilidade de realizar julgamentos morais é o
resultado da própria seleção natural. Dessa forma, se o comportamento ético é
um resultado da evolução, a ideia de Deus parece não ter muita serventia.
Essa última afirmação é polêmica. Refletindo
sobre tema, caso concordemos que a habilidade de realizar julgamentos morais é
resultado da seleção natural, isso significaria que as pessoas antiéticas
seriam atrasadas evolutivamente! Além dessa conclusão estranha, essa afirmação
ainda poderia nos fazer pensar que o sentido moral em termos evolutivos acaba
por minar a autonomia e responsabilidade individual, ou seja, toda ação do
sujeito nada mais seria que uma consequência natural.
Realizando um contraponto, filósofos como
John Hare afirmam que a ética evolucionista não explica nosso sentimento de
obrigação moral para além do nosso próprio interesse biológico, e sendo assim,
as teorias religiosas tem uma explicação mais coerente do motivo de sentirmos
necessidade de realizar certas obrigações morais. Em outras palavras, se a
moral fosse fruto de evolução ela se restringiria a situações que propiciem a
sobrevivência da espécie, e sendo assim, não faria sentido, por exemplo, nosso
sentimento moral de não querer causar dor ao nosso próximo, mesmo que isso
cause um desconforto em nós mesmos, uma vez que isso não faz o menor sentido
numa linha evolutiva de sobrevivência.
Concluindo, observamos que a religião ainda é
um forte fundamento moral para a maior parte dos debates contemporâneos sobre
ética. Se por um lado a ciência se torna um referencial em vários domínios em
nossos dias, no que diz respeito aos debates éticos a religião ainda se
encontra como um adversário à altura.